O ESPAÇO NO TEMPO LITÚRGICO

ESPAÇO PARA CELEBRAR

Regina Machado é arquiteta. Escreveu dois livros pelas Paulinas: O local da celebração Arquitetura e Liturgia e O Espaço da Celebração.

Este artigo encontra-se na Revista de Liturgia 176 – março/abril de 2003, Sacramentalidade, artigo está nas pag. 10 a 14.

Celebramos nossas diversas liturgias nos diferentes tempos litúrgicos sempre no mesmo espaço, o mesmo salão, com os mesmos mobiliários, a mesma igreja. Também a vida possui o mesmo cenário para desenvolver sua liturgia, a mesma montanha, o mesmo rio, as mesmas árvores, o mesmo céu. Mas a natureza, como dia e a noite, as diferentes estações, o frio e o calor, a chuva e o vento, os diferentes perfumes, enriquece o cenário e nos tira da rotina.

Deveríamos nos inspirar na natureza para preparar os locais de celebração para as diferentes liturgias nos diferentes tempos litúrgicos.

A natureza tem o artifício da luz e da sombra, das cores, dos cheiros. No inverno, a tristeza é expressa com pouca luz, o dia é mais curto, poucas cores, as flores estão ausentes, o frio também nos deixa mais quietos, alguns animais até hibernam. No verão, a água abundante faz o verde mais bonito, há cores, ficamos mais animados, os dias são maiores que as noites. A primavera, com sua explosão de sensualidade, e o outono já nos preparam para a tristeza do inverno. Não seria a quaresma o outono a nos preparar para a morte e ressurreição que se segue?

Podemos e devemos enriquecer os espaços de celebração para as diferentes liturgias. Mas, atenção, sempre com muita discrição, sem exageros, sem esconder o essencial, sem perder o referencial. E sempre coerente com o tempo litúrgico.

Há várias formas de dinamizar o espaço.

A luz

A iluminação pode contribuir positiva ou negativamente para o desenvolvimento da liturgia. Para cada ambiente e função se tem um tipo determinado de luz e de intensidade de iluminação indicada. A iluminação de uma igreja não é a mesma de uma sala de aula, de uma loja ou a de um banco. Uma sala com luz fraca, pode dar sono aos alunos. Uma igreja iluminada excessivamente pode não ser acolhedora. Não é acolhedora também uma capela ou igreja iluminada com lâmpadas fluorescentes, mas indicadas para escritórios. O espaço não precisa estar iluminado todo por igual. Uma iluminação especial sobre alguma peça ou imagem ajuda a valorizá-las. O altar e a mesa da Palavra podem ter uma iluminação direta sobre eles. Em uma capela só para oração pouca luz é necessária. Se houver necessidade de iluminação para leitura, esta pode estar distribuida apenas sobre o espaço dos bancos. Pode ser usado também um dispositivo que regula a intensidade da luz. A iluminação privilegiada sobre alguns espaços, em detrimento de outros que ficam na sobra, cria um contraste que lembra a própria dinâmica da fé, que transita entre a luz e as trevas.

As cores

Tanto as cores como as texturas dos materiais de acabamento que revestem o interior e o exterior das igrejas podem ser aliados na vontade de se ter um lugar aconchegante que nos leve à participação, ao silêncio e à oração. Cores frias nos afastam, nos esfriam mesmo. O próprio nome das cores já diz tudo: cinza, gelo, neve. São cores que não ajudam a criar um ambiente aconchegante. Cores como areia, palha, terra, pérola, camurça, são cores quentes, aproximam, são mais confortáveis e aconchegantes. As cores também servem par ase valorizar e destacar algum ambiente ou alguma parede. Também as texturas são importantes. Uma parede texturizada com chapisco, por exemplo, pode ser destacada, ajuda na acústica e também fica mais aconchegante.

A decoração

É muito comum vermos construções feitas de qualquer jeito e depois, para tornar o lugar bonito e acolhedor, recorre-se ao artifício da decoração. Na maioria das vezes, como se diz, a emenda fica pior que o soneto. Qualquer decoração deve estar a serviço do projeto de arquitetura e de liturgia, deve fazer parte de uma unidade, não deve existir sozinha. A decoração não pode ser uma composição em si mesma, mas elemento de um todo. Por isso, o que a comunidade pretende fazer, sejam vitrais, pinturas, quadros, painéis, tudo deve ser muito bem pensado e discutido e deve ter sentido teológico e litúrgico. Se o local não é bonito nem agradável, pode ficar muito pior se começar a acrescentar coisas com o objetivo de embelezar. Aí o risco é o local ficar muito carregado e os fiéis não conseguirem entrar em clima de oração, ficarem dispersos com tanta coisa para ser vista ao mesmo tempo. Costumamos pecar pelo excesso. Por isso é melhor não correr riscos. É preferível sermos mais discretos, simples e sóbrios. Menos é mais nestes casos.

As flores

Aqui também, quanto menos melhor. É comum as pessoas valorizarem demais os arranjos, mais do que o altar e o ambão. O arranjo deve ser mínimo e muito discreto, não é ele que importa. Costuma-se pendurar nas paredes vasos com plantas tipo samambaias. Quando se entra na igreja, só se vê os vasos. O essencial desaparece. O material também deve er considerado. Plantas e flores de plástico são inconcebíveis no lugar da celebração. Um lugar onde a verdade é anunciada e deve ser experimentada, não pode ser decoração com coisas de mentira, e ainda o plástico – símbolo do descartável. A verdade não é descartável, é para sempre. E a verdade é bela.

Os vasos dever ser de material nobre como o barro, os cachepots de madeira, ferro. Gesso, plásticos, vasos revestidos de espelho ou de papel laminado não são indicados para o local da celebração. É muito importante conhecer a liturgia para poder atuar no espaço. Não serve qualquer decoração, qualquer cor, qualquer iluminação, qualquer arranjo de flores. Para cada liturgia a dinâmica é uma. Não basta enfeitar, é preciso enfeitar ou não enfeitar com um objetivo definido.

Vamos ver o caso das celebrações do Ciclo Pascal

O tempo da Quaresma

A Quaresma, entendida e vivida à luz do Tríduo Pascal da Paixão, Sepultura e Ressurreição de Cristo é o momento privilegiado para deixar de lado o velho que está em nós e na comunidade e e preparar para a vida nova. Os grandes temas na Quaresma são o batismo e a penitência. A abertura da Quaresma, na Quarta-feira de Cinzas, nos convida aos exercícios da esmola, da oração e do jejum.

Como pode o espaço contribuir para a vivência da Quaresma e dos exercícios da esmola, da oração e do jejum?

Podemos aproveitar a Quaresma para rever o espaço, se é um espaço próprio para oração, se oferece acolhimento, ser está aberto para Deus, para o outro e para o Mundo. Se o espaço está ajudando o fiel na oração, na sua comunicação com Deus e na sua comunicação com o outro e com o Mundo.

O jejum convida o fiel a realizar um gesto de liberdade e de respeito aos bens criados, convida à liberdade em relação à natureza e à cultura dizendo um não ao consumismo e estabelecendo um correto relacionamento com as coisas criadas. Jejuar também significa fazer espaço em si, espaço para Deus, para o próximo.

A maioria dos espaços litúrgicos estão como estamos todos nós: cheios do supérfluo e carentes do essencial. A Quaresma é o momento de limparmos, esvaziarmos os espaços, jogarmos fora o que é lixo e tirar fora o que de nada serve, tirar o excesso de decoração, vasos, plantas, mesinhas, toalhinhas e abrir espaço para o essencial.

O Tríduo Pascal

O Tríduo Pascal é o centro e a síntese da celebração do Mistério da Paixão-Morte e Ressurreição de Cristo no Ano Litúrgico.

A Missa da Ceia do Senhor na quinta-feira santa marca o início do Tríduo. O ambiente é de festa e alegria, a cor é branca nas flores, toalhas e velas. O espaço deve expressar um local de refeição partilhada, se possível com acesso de todos à mesa, ou de um grupo grande. As cadeiras podem rodear a mesa ou a mesa descer para assembleia. A mesa é o centro na celebração da Ceia.

Na Sexta-feira Santa, o luto e a dor tomam conta da comunidade e também do espaço. O clima é de silêncio, o altar fica despido, sem toalhas, não há velas, o ambiente fica mais escuro, podem ser diminuídas as luzes. A cor das vestes é vermelha, sinal do sangue de Cristo derramado na cruz. A cruz assume lugar de destaque tornando presentes as dores e os martírios de todos os oprimidos da terra. Deve haver espaço para que os fiéis demonstrem seu sofrimento e a prostação diante do altar.

A Vigília Pascal é a noite santa na qual renascemos. É aí que celebramos a vitória da luz, a vitória da liberdade sobre a opressão. A Vigília constitui a grande Páscoa anual dos cristãos, em que se celebram os Sacramentos da Iniciação Cristã e se renovam as promessas do batismo. Nessa noite, falam alto os símbolos da vida: o fogo, a luz, o óleo, o pão e o vinho. O ambiente é de alegria, festa, a cor é branca, há flores. A celebração é muito rica. Cada espaço deve ser muito bem preparado para as diferentes partes da celebração. O melhor é que não fique tudo restrito ao presbitério, mas que a comunidade possa caminhar, se deslocar e carregar a luz.

Para a liturgia da luz, deve ser preparado um fogo, uma fogueira do lado de fora da igreja, se possível. O círio, as velas, o incenso devem ter sido previstos. A liturgia da Palavra pode ser encenada ocupando diferentes ambientes da igreja. O importante é que todos possam acompanhar e participar. Para a liturgia do batismo o ideal é uma fonte batismal para imersão completa, o que não é impossível, mesmo pequenas comunidades têm conseguido com muito bom gosto ter sua fonte batismal fixa. Por fim, a liturgia eucarística.

A Páscoa de cada ano deve ser uma fonte rica e abundante de vida para a comunidade. Nela a comunidade deve se inspirar e se alimentar durante sua caminhada anual. A Páscoa é um marco de renovação da comunidade, fonte de vida, simbolizada na água do batismo e no pão e vinho da eucaristia.

Esse é o momento para a comunidade acabar também com o velho que tomou conta do espaço com o passar do tempo. Após a Páscoa, o espaço não pode continuar como era antes, assim como o cristão também não pode continuar o mesmo. Deve haver uma renovação, devemos sentir isso no ar, não se trata de botar abaixo e fazer tudo novo, mas de fazer novo o velho, ter um olhar e uma postura novas diante das coisas e do lugar.

Bibliografia
CARPANEDO, Penha e GUIMARAES, Marcelo. Dia do Senhor. Guia para as celebrações das comunidades. São Paulo, Paulinas, 1997.
BECKHÃUSER, Alberto. Celebrar a Vida Cristã. Petrópolis, Vozes, 1984.
MACHADO, Regina Céli de Albuquerque. O local da celebração. Arquitetura e liturgia. São Paulo, Paulinas, 2001