Regina Celi Machado

Uma das frases mais recorrentes em conversas entre padres é que  “as tarefas  do nosso ministério se acumulam e acabamos por nos tornar clínicos gerais  que têm o papel de cuidar de tudo sem  muita especialização ou preparo para tanto”. No dia a dia de uma paróquia, é isso o que acontece. O padre é chamado a atuar em várias frentes, inclusive na tarefa de “edificar” o templo, ou o centro pastoral ou mesmo a  casa paroquial.

Fiquei pensando em tudo isso enquanto escrevia este artigo sobre o processo de ela- boração e implementação do novo templo da Paróquia do Senhor Bom Jesus na cidade de Americana (SP), da qual, há 3 anos, sou o pároco. Sem a pretensão de ser modelo para outros párocos e paróquias que estejam no mesmo processo, tento descrever essa em- preitada com o olhar do “clínico geral” que, sem nenhum preparo específico, se dispõe a colaborar com a comunidade.

O que diz o chão onde se pisa


Nos dois últimos números desta revista de- mos início a uma série de quatro artigos em que abordamos o passo a passo para a construção de uma igreja. Tomamos como exemplo uma obra em processo de construção na cidade de Americana no interior de São Paulo. Avaliamos que este exemplo concreto e completo seria útil, aos  párocos,  às  equipes  de  construção e aos  profissionais  da  área  da  arquitetura e engenharia. Neste artigo o pároco dá sua visão pastoral e teológica sobre o processo. No próximo artigo iremos expor o Programa Iconográfico desta igreja.

Uma questão que se apresenta a priori na edificação de uma obra comunitária é saber o que diz a realidade na qual será desenvolvido o trabalho. Isso pode parecer algo muito vago, mas é uma postura neces- sária porque serve de baliza para as ações que se seguirão.

O pároco terá que potencializar em si e na sua visão teológico-pastoral o que a comuni- dade, e não raras vezes também a sociedade na qual a igreja está inserida, deseja e es- pera da construção. Quanto mais o projeto representar os anseios de quem vai utilizar   o espaço, maiores as chances de se ter a comunidade como parceira e protagonista do processo, socializando e dividindo o peso de manter o ânimo de todos durante o tempo que durar o processo da construção.

Quem deve zelar por esse processo


Quando se trata de responsabilidade administrativa, sem dúvida nenhuma, somos nós os párocos que recebemos a provisão para cuidar das obras da comunidade. No entanto, está mais do que provado que o sistema centralizador não funciona e quando funciona, não agrega e não partilha com a comunidade a responsabilidade no cuidado dos seus bens.

Para tanto, o pároco deve ter a com- preensão de sua efetiva participação, até porque, na maioria das vezes, foi ele quem estudou (ainda que não seja especialista) os critérios teológicos e pastorais que, em tese, libertariam a edificação do binômio custo- benefício.

Mas não deve fazer sozinho… Deve contar com uma  ou  mais equipes que  o  ajudem  a pensar o processo, deve consultar espe- cialistas, agregar profissionais, motivar a comunidade para a arrecadação de fundos, etc.

Em nosso caso, tivemos a colaboração de duas equipes distintas: uma formada pelo Conselho de Assuntos Econômicos (CAE) que teve o papel de mobilizar a comunidade, preparar as regras do concurso e enviar aos profissionais, motivar a comunidade e propor os eventos; a outra equipe, formada por pro- fissionais de diferentes áreas acompanha a elaboração e realização dos projetos.

O gestar ideias


Os critérios teológico-pastorais além de libertarem as construções comunitárias do tão falado custo-benefício, acrescentam novo aspecto que é o de dar sentido à obra em questão. Não se trata de simplesmente levantar paredes, colocar telhado  e  definir a posição dos móveis. Cabe-nos interpretar quanto e como vai falar aquela obra, com as pessoas que a frequentarão e os momentos litúrgicos que ali serão vivenciados. Isso não será resultado de uma pessoa apenas, mas da cooperação de muitas que se colocarão a serviço, contribuindo de alguma forma.

Com isso, tudo fica mais moroso, pois se trata, em muitos casos, de educar as pessoas; Mas os ganhos são indiscutíveis. Quem vir o prédio verá o que a comunidade acredita e vivencia em sua experiência. E isso também é evangelização.

O específico dentro do geral


No processo de edificação existe uma mobilização interna da comunidade que, junto com as equipes de coordenação e administração do projeto ‘fazem a coisa acontecer’. Mas só isso não basta. É fundamental a busca de profissionais competentes: não só arquiteto e engenheiro, mas profissionais para a execução da obra. Trabalhando articuladamente poderão vislumbrar problemas e apontar saídas para garantir eficiente resultado em todos os aspectos de uma construção: sonorização, iluminação, conforto térmico, sistema acústico, jardins, sustentabilidade.

Por fim, a comunhão de sonhos


Um dos pilares de uma obra comunitária é garantir que o sonho não seja só de uma pessoa ou de um pequeno grupo, mas seja conquista coletiva, pois a comunidade deve se sentir não apenas representada, mas espelhada nela. Caso contrário haverá o risco de se tornar apenas um local aonde as pessoas frequentam, mas sem criar vínculos, como a agência bancária onde se usufrui de alguns serviços.

As edificações comunitárias devem des- pertar nas pessoas que ali frequentam e celebram sua fé, o vínculo de afeto, atenção, cuidado, zelo, respeito e responsabilidade. À longo prazo esta será a base da identidade histórica que a comunidade constrói, preserva e delega para as futuras gerações, motivada pelo Ressuscitado que fica conosco até o fim dos tempos…

Padre Antonio Luis Fernandes
Pároco do Senhor Bom Jesus, em Americana, SP.

Regina Céli Machado, arquiteta
www.arquitetura-religiosa.arq.br

Regina Céli Machado é arquiteta sacra e escreve na Revista de Liturgia.

Fonte do Artigo:
MACHADO, Regina. O passo a passo na construção de uma igreja III, Formação litúrgica para jovens. São Paulo, 225, p. 26 a 27, Mai/Jun 2011.

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