Regina Celi Machado

 

Este é o quarto artigo de uma série que aborda o passo a passo que antecede  a  construção de uma igreja. Tomamos como exemplo uma igreja que está sendo construída em Americana, no interior de São Paulo. Neste artigo falaremos sobre o Programa Iconográfico desta igreja.

A igreja de Americana possui três níveis distintos. Uma área térrea livre para o encontro social da comunidade, para jardins e lazer. Um nível intermediário onde ficam os espaços de apoio, secretaria, sala do dízimo, sala do padre, sala da reconciliação, sacristia. Aí também fica a capela do padroeiro. No nível mais alto estão o salão de culto e também as capelas do santíssimo e do batismo.

A preocupação em separar os vários espaços, seja o do social, o do serviço, os espaços devocionais e os celebrativos, foi fundamental para atender a necessidade de funcionalidade e de valorização da liturgia.

O volume da igreja sugere, como pedido pelo cliente, que é preciso subir para chegar ao lugar santo, em referência às leituras da Transfiguração. Tanto a escadaria quanto a cobertura do corredor central levam o olhar do fiel para o alto e sugerem essa subida.

Na lateral direita, na extensão da fachada, um grande painel serve de apoio para arte mural, um grafite que fará a comunicação da igreja com a cidade.

LUGARES DA AÇÃO LITÚRGICA


O átrio –
O átrio dá ideia de passagem, de limiar entre o conhecido e o desconhecido, entre a luz e as trevas. É o lugar que prepara para o mistério e convida para entrar. É simbolicamente o umbral entre o caos e a ordem. Aí se desenvolve o ministério da acolhida.

O átrio possui iluminação discreta na base das paredes, uma pia de água benta com foco de iluminação sobre ela. Aí não é   o lugar de leitura nem dos avisos, é lugar de fazer silêncio, as abluções e simbolicamente tirar as sandálias.

Uma porta muito alta e estreita, sugerindo a entrada difícil para acessar o Reino, separa o átrio do espaço de celebração.

O lugar da assembléia – Desde tempos antiqüíssimos os participantes das celebrações eram chamados de circunstantes, isto é, aqueles que estão ao redor. Assim, a forma originária e, portanto, exemplar, vê os celebrantes como uma comunidade reunida para o encontro recíproco, onde cada um está voltado para o outro e todos têm no altar o centro espiritual da sua assembléia, e a comunidade é concebida numa proximidade espacial com este centro.

Nesta igreja a assembléia se desenvolve ao redor do altar com duas naves mais compridas e duas áreas laterais ao altar onde estão as equipes de canto e os diversos ministérios.

O lugar da presidência – A sede e as cadeiras para os acólitos formam um conjunto loca- lizado atrás do altar com degraus a mais para que possam manter boa comunicação com a assembléia. A sede faz conjunto com o altar e o ambão, expressões simbólicas do Cristo celebrante e serão todos do mesmo material e estilo, pois revela uma mesma realidade. O lugar da presidência fecha o círculo formado pelos fiéis ao redor do altar eucarístico.

O lugar da Palavra – O ambão ocupa a lateral do presbitério. O móvel começa no piso da assembléia e tem possibilidade de ser acessado por crianças e cadeirantes. Um apoio para o círio pascal ocupa a frente do ambão.

O ambão é peça alta que anuncia e testemunha o Cristo. Não há dois ambões, pois uma só é a Palavra de Deus. Não é lugar para comentários e recados, estes terão lugar numa ou mais estantes móveis em metal.

O lugar da eucaristia – O catecismo da Igreja Católica explica: ”o altar em torno do qual a igreja está reunida na celebração da Eucaristia representa os dois aspectos de um mesmo mistério: o altar do sacrifício e a mesa do Senhor, e isto tanto mais porque o altar cristão é o símbolo do próprio Cristo, presente no meio da assembléia  dos  fiéis, ao mesmo tempo como vítima oferecida por nossa reconciliação e como alimento celeste que se dá a nós”.

”Com efeito, que é o altar de Cristo senão a imagem do corpo de Cristo?” – diz Santo Ambrósio. Assim, o altar como corpo de Cristo, se expressa de forma mais plena quando a assembléia está ao redor dele.

O altar é um cubo perfeito medindo 95 cm x 95 cm x 95 cm em granito branco como o ambão e a cadeira da presidência e está ladeado por dois candelabros de metal. Ele permanece desnudo só recebendo a toalha no momento da celebração eucarística. Nem arranjos florais e nem as velas estarão sobre o altar.

O lugar do batismo – A capela do batismo se encontra na entrada do salão de culto. Está um degrau mais alto do que a assembléia para facilitar a participação de todos no momento da entrada do batizando na água. A fonte batismal possibilita o batismo de adulto por imersão e o batismo de crianças numa só peça. Será uma piscina com uma fonte em forma de cruz inserida no octógono formado pelo desenho do piso.

No teto da capela do batismo a iluminação natural chega por uma abertura exatamente sobre a fonte batismal, lembrando o abre-te – efetá. Um armário para os santos óleos ocupa a parede de fundos da capela do batismo.

O círio pascal indica a presença do Ressuscitado e estará na frente do ambão durante o tempo pascal. O resto do ano permanece no batistério e poderá ser usado em grandes ocasiões como ordenação, primeira comunhão, confirmação e exéquias.

O lugar da reconciliação – O lugar da reconciliação está junto com a sala do padre, possui uma mesa, duas cadeiras, uma cruz na parede. Uma Bíblia e uma vela estarão sobre a mesa. A iluminação é discreta. A separação do espaço da reconciliação com a sala do padre é feita por divisória de madeira vazada. A sala de reconciliação está contígua à capela do padroeiro.

O LUGAR DA RESERVA EUCARÍSTICA E LUGARES DEVOCIONAIS


Capela do santíssimo – A capela do santíssimo é um espaço à parte, tranquilo, acolhedor, onde se encontra apenas o tabernáculo, genuflexório e bancos. Aí não há cruz nem imagens do Cristo.
O sacrário em granito branco é um cubo perfeito de 50 cm pendurado por uma coluna de metal que sai de dentro de uma abertura no teto para iluminação e ventilação.

Tanto a capela do santíssimo como a do batismo estão ligadas ao altar eucarístico por um caminho que marca a relação entre estes espaços.

Capela  do padroeiro – Esta capela está na entrada junto ao lugar da re- conciliação, fora do espaço da celebração. O padroeiro tem como apoio o antigo altar da capela do santíssimo, única peça que sobrou da antiga igreja que foi demolida no mesmo local. Diante dele oito bancos individuais e um velário compõem essa capela devocional.

Capela de Nossa Senhora – No térreo, diante da rua de maior movimento, está localizada a capela de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. O oratório na fachada posterior da igreja está acessível aos fiéis para uma oração rápida e está em contato direto com o dia a dia da cidade. Junto à tradicional imagem impressa em tecido cercada por jardim estará um velário em metal.

Iconografia – A iconografia deve fazer unidade com a arquitetura. As imagens, vitrais e mosaicos não são uma coisa à parte, mas dependentes da arquitetura e do programa iconográfico. Para enfatizar a dimensão cristocêntrica dos espaços celebrativos não foi colocada no presbitério nenhuma outra imagem que a do próprio Cristo.

O mosaico central do Cristo – A Transfiguração no Monte Tabor ocupa o centro do painel em mosaico que captará toda a luz que entra pelas aberturas jogando cor sobre o branco do piso, das paredes, do forro e do mobiliário. É da Transfiguração que sai toda a luz que ilumina a igreja numa explosão de cores. Toda a cena da Transfiguração será representada neste painel que ocupará o centro do presbitério e as paredes laterais onde estarão as figuras de Elias e Moisés.

A imagem da Mãe de Deus A imagem de Nossa Senhora de Guadalupe em tecido ocupa a capela já citada.

A imagem do Padroeiro – A imagem do padroeiro será a mesma que vem acompanhando a comunidade, uma estátua de gesso policromada de grande porte, que manterá assim a ligação com o passado da comunidade.

Via sacra – A via sacra, como o nome bem o diz é caminho, por isso está localizada na rampa de acesso à igreja, possibilitando que os fiéis possam fazer o caminho de forma funcional. Sendo um ato de devoção, melhor que não esteja dentro do espaço de celebração comunitária. As placas da Via Sacra são móveis e podem ser usadas em outros espaços do jardim ou mesmo fora da igreja.

Vitrais – Um imenso vitral sobre as naves terá fechamento com vitral possibilitando a saída do ar quente. O vitral geométrico, em cores azuis escuras, vermelhos, amarelos e âmbar, trás para dentro do espaço o cosmos e seus símbolos, o sol e a lua, as estrelas e os planetas, o dia e a noite.

OBJETOS RELACIONADOS COM O ESPAÇO DA AÇÃO LITÚRGICA


Cruzes de consagração – São 12 cruzes em metal e estão acompanhadas de apoio para vela. Essas cruzes serão localizadas nos 12 pilares dentro do salão de culto. As velas são acesas na celebração de dedicação da igreja e nas comemorações de aniversário da dedicação.

Cruz processional – A peça tem base em metal com a arte do Cristo em silk-screen impressa. A cruz deve entrar  em  procissão  e  ser localizada na lateral do altar onde existe apoio no piso.

Castiçais – Duas peças em metal se localizam nas laterais do altar e estão encaixadas no piso.

Toalhas e panos – Apenas o altar deve ter toalha e seu uso é durante a celebração eucarística. A toalha em linho branco/barbante deverá ter o tamanho justo do altar. Os demais panos devem ser confeccionados no mesmo linho. Não é necessário nenhum bordado nas toalhas e panos.

Vasos sagrados – Todos os vasos são em metal na cor prata foscos, com desenho funcional e sem enfeites.

Vestes – Todas as vestes da presidência, dos acólitos e ministros em linho branco/barbante sem pinturas ou bordados com imagens.

Sinos – Os sinos em número de quatro estarão na torre sineira e serão automatizados.

Velário – Um apoio para velas está previsto no espaço do oratório de Nossa Senhora e outro na capela do padroeiro. Será em aço corten enferrujado. Os velários terão espaço para colocar as velas apoiadas sobre areia.

Flores – Toda decoração é perigosa, pois o excesso pode esconder o essencial. Basta um pequeno vaso aos pés da cruz processional e, mesmo assim, dependendo do tempo litúrgico. O cuidado na preparação das flores também deverá refletir o Mistério que se celebra. Outros adornos deverão ser evitados.

Credencias – Para os apoios no presbitério, na entrada da igreja e na capela do santíssimo estão previstas credencias na mesma madeira dos bancos.

JARDIM


As Diretrizes para a Elaboração do Projeto, escritas pela comunidade pediam um jardim onde os fiéis pudessem se reunir antes e depois das celebrações para conviver e alimentar a vida comunitária. É um lugar para café da manhã, festas,  quermesses, lugar  para  a catequese, para o passeio matinal, para o lazer de crianças e idosos. O jardim térreo é uma continuação da praça que fica do outro lado da rua.

Esta área é simbólica do ponto de vista ecológico, a terra está liberta, a água pode penetrar a terra. Há plantas, árvores, trepadeiras, muitas flores. Nos fundos ladeando o oratório de Nossa Senhora há duas oliveiras. Nas duas esquinas dois flamboyants. Na frente dois ipês. Cobrindo o muro lateral a falsa vinha que acompanha as estações do ano, ficando com as folhas vermelhas no outono, as folhas verdes e cheias na primavera e no inverno apenas o esqueleto de galhos.

A pedra fundamental está localizada no térreo exatamente embaixo do altar. Do lugar da pedra brota uma água que atravessa o pátio e deságua na fonte, um espelho d’água com leve ponte em forma de peixe atravessa as águas. Neste local é possível fazer também o batismo por imersão.

No jardim do térreo há palco para apresentações e celebrações. Neste ambiente foi previsto um telão e som para que as mães possam acompanhar as celebrações que acontecem no salão de culto quando precisam sair para acompanhar seus filhos.

É a partir do jardim que se inicia a devoção da via sacra subindo a rampa.

Nos 12 pilares da área de jardim um trabalho em silk na cor vermelha direto sobre o concreto faz alusão aos 12 apóstolos e os 12 signos do zodíaco em harmonia com o ambiente ligado às forças da natureza.

Ainda na área externa, no primeiro patamar da escadaria frontal, um espaço de 2,13m de largura foi previsto para a colocação de altar, cadeira e ambão para missa campal.

A igreja se fecha com um grande portão em ferro forjado onde estão escritas com o próprio ferro frases bíblicas que façam sentido para a comunidade, que expressem a espiritualidade e a mística do lugar.

O Programa Iconográfico de uma igreja deve ser mistagógico, isto é, deve conduzir o fiel para dentro do mistério celebrado naquele espaço. Todas as paredes, pinturas, pisos, imagens, todos os objetos, forma, cores e texturas são extensão do que ali se celebra. O Programa Iconográfico é a visualização do invisível.

 

Regina Céli Machado.
Arquiteta. www.arquitetura-religiosa.arq.br

Regina Céli Machado é arquiteta sacra e escreve na Revista de Liturgia.

Fonte do Artigo:
MACHADO, Regina. O passo a passo na construção de uma igreja IV, Um caminho sem volta. São Paulo, 226, p. 27 a 30, Jul/Ago 2011.

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